domingo, 27 de abril de 2008

Santa Bárbara

quando a chuva vier lá do céu
e santa bárbara te conseguir
ver] entender sem me escutar
e ouvir sem repetir
o que eu não entendi

porque sempre há um sinal
qualquer som é infiel
melhor você se acostumar
com o que vem lá do céu
e santa bárbara ensina

a santa da nuvem branca foi quem me falou
se você quiser ficar aqui comigo como eu sou
é só dizer que me ama sem fazer som nenhum
a chuva vai chover pra responder que sim

ou que não há

se precisar levantar a voz
eu fico surdo e não volto amanhã
nem] naquela mesma procissão
talvez com outro elã
só] se Iansã me permitir

faça um silêncio assim pra me acordar
faça um silêncio assim pra eu conseguir
a santa da nuvem branca foi quem me falou
se você quiser ficar comigo ou só com o que restou

do que não há
do que não há

segunda-feira, 21 de abril de 2008

I - Called to madonna

Em 21 de abril de 1988, Jorjão-doido estava no bar conversando com o sorveteiro, tinha uns papéis cor de abóbora. Poucos minutos antes eu encontrara Valdeneido, em frente ao Foto Chilon, em estado de graça espiritual, em frente a Sideral sorveteria:

- Ouvi Stormbringer de manhã, “Holy Man” elevou minha alma, então não me atenta não, não vem com esses encosto, entojo, que eu estou leve, moço, flutuando, pleural.

Na verdade Valdeneido já tinha a alma impregnada de outras coisas, mas, posteriormente, a substância indizível dos harmônicos vocais do David Coverdale me fariam rever essa posição primária. Serão secundários (?), acompanhem-me. Disso sei hoje, então era difícil os eixos devidos, a gente só conseguia ouvir os harmônicos primários e uns white vinil noises bem baixinhos e de bom sentido... mas já era o bastante, e o prudente, pra ficar meio doente assim zonzo, devera (nada desses posteriores de serpente branca e chocalho):

- Me empresta esse disco...
- Depois, depois mesmo, você vai acreditar
- Vadeneido, explica!
- Lógico que não, espera o desvio da luz violeta,
vai reparando isso no arco-íris...
- Em João Pinheiro a gente já havia ouvido, lembra?
Naquela lanchonete.
- Aquele era outro, aguarda, confia e não me amola.

Subi, três semanas depois, a Rua da Mata, havia um risco vermelho escuro e friável perto do meio-fio que margeava a ladeira, era a passagem da enxurrada de março ou sombra de arco-íris. Em maio, em Patos, cicatrizes de enxada em beira de estrada podem ter nome de caminho de enxurrada, talvez até ditas sombras de arco-íris a depender do declive e da hora, do ângulo de reflexão. Ainda fica um lodo pouco que escorrega o redley de quem sobe a rua. Mas chego na casa dele enfim, sobre pés de vento e sob pés carregados de limão capeta:

- zzz
- Valdeneeeido?!
- Opa?
- E o disco?
- Tá bem... vai mais volta, com todos os vês...

Levei o Stormbringer pra casa como quem leva a tempestade de baixo do braço, sob a face, sob o sábado à tarde. As pessoas da rua não tinham feições ou cores, corriam delas. Quando cheguei afobado o homem sagrado de cara, frase e barulho me fez entender o recado. Talking about the moon and sun. Era o bastante pra primeira vez. Subi pro centro açodado depois, quem fica em casa numa hora dessa não agüenta a atmosfera da cor das paredes, subi pro centro e no centro estava o Jorjão-doido da terceira trindade, neo-pentecostal em breve, no bar conversando com o sorveteiro. Seus papéis cor de abóbora conto depois o prelúdio que eram.

- Você conhece o Stormbringer Jorjão?
- Gosto não.
- Não??? Mas, porque?
- Porque tirou o metálico, a seriedade da banda... sou mais os outros...
- Que isso...
- Eh... e não gosto desse batuque dançadinho do Glenn Hughes.

A maré vermelha de pirrófitas unicelulares ainda arfava inconsciente no meu pulsar de mental mirim, quase entreguista, púrpura, púrpura profundíssima de estranhezas mercuriais que avançavam insones, em vigília. Nunca mais esqueci isso enquanto dormindo, não fui vencido. Seqüelado talvez, com disco debaixo do braço. Passei em frente a Igreja dos Capuchinhos e do Rosário, com o barro roxo do tênis marcando o caminho e o disco, um pouco sem jeito e sem descanço, cismado, plano. Que batuque black funky dançadinho é esse que ele estava falando? Era proibido? Jorge-doido me dói a alma, a compreensão e o ouvido. Nunca mais os harmônicos coverdélicos me saíram de lembrança enquanto dormindo, apesar disso, secundários hoje encontram, acordados, os tons escuros do vermelho da tarde que me indicariam dessa sobreposição de som e sombra. Called to madonna to give me a line. Não entendia, entendo hoje mais ou menos. O sol que a gente enxerga no crepúsculo é uma imagem aparente, a luz sofre refrações que nos enganam os olhos, os sentidos, os modos, as dissonâncias.
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(continua)

sábado, 19 de abril de 2008

Indecisa #2

A pedra enorme cai do telhado e esmaga a flor indecisa
que não sabia se abriria, hoje ou amanhã e nunca,
nunca mais será como foi
não tenho a certeza se a correnteza vai te poupar a culpa
perante o tempo, fraqueza e medo, caem da mesma altura
e nunca, nunca mais será como foi
e nunca, nunca mais foi flor
isso não importa, isso não importa, e isso não importa mais

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Flâneur, convidado do sereno

...flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico. Daí o desocupado flâneur ter sempre na mente dez mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas. Do alto de uma janela como Paul Adam, admira o caleidoscópio da vida no epítome delirante que é a rua; à porta do café, como Poe no Homem da Multidões, dedica-se ao exercício de adivinhar as profissões, as preocupações e até os crimes...
(João do Rio - 1904)

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Caos primaterial, base da Obra

A revolta celestial do arrogante lúcifer, a sua subseqüente expulsão para o abismo tenebroso e a queda de Adão como um nexo causal com aquela, constituem o ponto de partida da filosofia hermética, na medida em que essas duas características cósmicas causaram o caos 'primaterial' dos elementos, que é a base da Obra: converter a massa negra ao seu estado paradisíaco original através de uma sublimação completa.