Cidade, por que me persegues? Com os dedos sangrando já não cavei em teu chão os sete palmos regulamentares para enterrar meus mortos? Não ficamos quites desde então? Por que insistes em acender toda noite as luzes de tuas vitrinas com as mercadorias do sonho a tão bom preço? Não é mais tempo de comprar. Logo será tempo de viajar para não se sabe onde. Sabe-se apenas que é preciso ir. De mãos vazias. Em vão alongas tuas ruas como nos dias de infância com a feérica promessa de uma aventura a cada esquina. Já não as tive todas? Em vão os conhecidos me saúdam do outro lado do vidro desse umbral onde a voz se detém interdita entre o que é e o que foi. Cidade, por que me persegues? Ainda que eu pegasse o mesmo velho trem, ele não me levaria a ti, que não és mais. As cidades, sabemos são no tempo, não no espaço e delas nos perdemos a cada longo esquecimento de nós mesmos. Se já não és e nem eu posso ser mais em ti, então que ao menos através do vidro, através do sonho, um menino e sua cidade saibam-se afinal intemporais, absolutos. (José Paulo Paes)
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